Desde 2014, o Comida no Prato transforma as noites de quarta em um ponto fixo de encontro e organização em Ipanema. Em uma cozinha cedida, por volta das 18h, os voluntários começam a chegar, ligam o fogão, separam os insumos e, ao longo de algumas horas, preparam cerca de 100 quentinhas para pessoas em situação de rua do bairro.
O projeto nasceu inspirado nas ações de Guido Schaffer e, no ano seguinte, passou a acontecer semanalmente. Não há CNPJ, não há equipe contratada, não há estrutura formal. O que existe é tempo doado, uma dinâmica simples e a soma de várias mãos que entendem que repetição também é compromisso. Toda quarta é quarta, faça sol, prova, plantão ou trânsito. Quando alguém não pode ir, outro cobre. É essa constância, imperfeita e real, que mantém o Comida no Prato vivo há quase 11 anos.
Como as quentinhas saem do papel e viram refeição
Os alimentos que enchem as panelas não surgem do nada. Eles chegam a partir de doações organizadas principalmente por WhatsApp e Instagram. Em muitas semanas, empresas entram em contato, pedem uma lista do que falta e ajudam a completar o que será usado. Em outras, são amigos, conhecidos e apoiadores que, pouco a pouco, garantem o arroz, o feijão, a proteína, os temperos, as embalagens.
A engrenagem é simples e exige confiança. Uma voluntária cuida das compras e do controle do que entra por pix, garantindo que cada contribuição tenha destino claro, da tela do celular até a mesa de preparo. Em paralelo, Tatiana, presente desde a primeira saída, assumiu a comunicação, contando a rotina do projeto nas redes e avisando o que ainda é necessário para que a quarta aconteça.
O desafio que começa depois da cozinha
Se dentro da cozinha o fluxo costuma se resolver, do lado de fora o cenário é outro. Hoje, o maior gargalo do Comida no Prato não é falta de alimento, é falta de motoristas. O projeto precisa, de forma contínua, de pessoas com carro, CNH válida e cerca de três horas livres nas noites de quarta para percorrer as ruas de Ipanema e entregar as quentinhas.
Sem motoristas suficientes, a comida pronta esfria nos isopores e o trajeto até quem vive nas calçadas fica mais longo do que deveria. Resolver essa etapa é fundamental para que o objetivo seja cumprido de ponta a ponta, cozinhar, sair, chegar, entregar, olhar nos olhos e chamar pelo nome.
Ceará, uma presença que continua na memória
Ao longo dos anos, muitas pessoas foram se aproximando do Comida no Prato nas ruas. Entre as histórias que ficaram está a de Ceará, morador de rua que costumava permanecer na região da Praça da Cruz Vermelha. Semana após semana, ele recebia a quentinha, puxava conversa, fazia piada, dividia um pouco da própria trajetória com os voluntários.
Em certo momento, comentou que o aniversário estava chegando. Na quarta seguinte, o grupo apareceu com um bolo simples para marcar a data. Ceará se emocionou, chorou, riu da bagunça em volta e celebrou aquele momento com quem, até pouco tempo antes, era quase desconhecido.
Com o apoio do projeto, ele conseguiu passar um período em uma casa de acolhimento, com cama, banho e cuidados básicos. Em uma fase de saúde delicada, pôde viver os últimos dias com mais conforto e dignidade, cercado por pessoas que sabiam seu nome e mantêm sua história viva até hoje.
Mais do que refeição, encontro e reconhecimento
Uma das marcas do Comida no Prato é a forma como escolhe se apresentar. Não há cenas montadas, não há fotos chocantes. O projeto segue um pacto silencioso, mostrar panelas, mãos, preparo, bastidores, e preservar o rosto de quem recebe, salvo quando há consentimento claro.
A lógica por trás disso é direta. A comida abre caminho para a conversa. A conversa devolve o nome. E o nome devolve parte da dignidade que a rua costuma roubar todos os dias. Cada quentinha entregue vem acompanhada de um bom dia, um como vai, um tudo certo por aí, e alguns minutos de escuta que, muitas vezes, valem tanto quanto a refeição.
Como se aproximar do Comida no Prato
Quem se identifica com o que o Comida no Prato faz em Ipanema pode participar de maneiras diferentes, sempre com foco nas quartas à noite, a partir das 18h, na cozinha onde o grupo se encontra:
- Doando alimentos e insumos que serão usados no preparo das quentinhas
- Ajudando na organização e na montagem das refeições
- Montando ou doando kits de higiene para serem entregues junto com a comida
- Oferecendo o próprio carro e tempo para dirigir nas rotas do bairro
- Divulgando o projeto para pessoas e empresas que possam apoiar
A cada semana, as mesmas cenas se repetem, panelas no fogo, isopores sendo preenchidos, listas sendo conferidas, conversas rápidas antes da saída. E, a cada quarta, se renova a certeza de que não se trata apenas de entregar alimento, mas de sustentar uma forma de encontro em que ninguém é reduzido à condição em que vive.




